Entrevista com Tereza Sayeg por Luciana Laugeni – Alumni

Graduada em Filosofia pela PUC-SP em 1976 e formada pelo Curso de Formação de Tradutores e Intérpretes da Alumni em 1979, Tereza Sayeg recebeu, durante a cerimônia de formatura da 89ª turma do Curso em Dezembro de 2015, o “Distinguished Alumni Award”, outorgado a ex-alunos que se destacam na área de Tradução e Interpretação.

Atua nos idiomas português, inglês, espanhol, francês e italiano. É ex-presidente da APIC e trabalhou como intérprete para a Comissão Européia e Parlamento Europeu em Bruxelas, Bélgica, assim como para a OTAN (Bruxelas), UNICEF (Florença), BID (Hamburgo, Fortaleza, Belo Horizonte, Lima, Guatemala, Medellín, Montevidéu, Panamá, Costa do Sauípe, Washington e Buzan, na Coreia do Sul), CEMLA (Centro de Estudos Monetários Latinoamericanos) e Organização dos Estados Americanos (Trinidad e Tobago, Venezuela, Colômbia, Costa Rica).

Você é um exemplo para novos intérpretes e também para aqueles que já estão há algum tempo na profissão. Como curiosidade, no início você sentia mais facilidade para fazer interpretações para o inglês? Pergunto pois, muitas vezes, os intérpretes menos experientes de certa forma subestimam nossa língua materna e, quando é preciso interpretar para o português, as palavras faltam. Qual foi sua experiência?

Particularmente acho sempre mais fácil para o português. Não sendo falante nativa de inglês, acredito que é possível transmitir as ideias, mas talvez sem tantos matizes ou tanta beleza como os native speakers. Vi isso há pouco tempo, quando fizemos o curso da APIC e trouxemos um professor de fora, Thomas Afton, para um curso de reciclagem. É muito, muito difícil ter que entrar na cabeça de um English speaker, que é muito diferente da de um falante de português. Isso eu já sabia justamente por ter cursado os seis meses em Monterey. As professoras nos diziam “Keep it simple”. O inglês é uma língua muito direta, então o que pensamos ser simples não é exatamente assim. Um nativo não entende as voltas que o português, espanhol, francês ou italiano dão – não é nada fácil. Eu ouvia muito a cabine inglesa na Comissão Europeia e ficava deliciada! Os intérpretes pegavam aquele emaranhado de ideias e as destrinchavam – muitas vezes, demoravam para começar, pois estavam esperando a ideia principal. Então separavam: sujeito, verbo, objeto; sujeito, verbo, objeto. Não acho fácil, pelo contrário. Se você tentar realmente falar como nativo, é preciso fazer um exercício mental muito complicado porque nossa cabeça é emaranhada também!

Você pode nos contar alguns momentos de orgulho, que mudaram algo em você?

É mais fácil falar dos vexames, porque quando ficamos nervosos falamos besteira. Já traduzi benign tumors por tumores B9, num momento de nervoso… Mas também tive muitos momentos gratificantes, por exemplo quando interpretei um filósofo francês, Gilles Lipovetsky, no Maní. Foi incrível, organizado por uma revista – e filosofia é minha praia! No final, o editor da revista me disse que tinha sido excelente, que eu quase completava as frases do palestrante. Mas é sempre mais fácil quando o palestrante é lógico.

E você já conhecia o trabalho dele?

Sim, a filosofia me ajuda nesse aspecto de captar a lógica do discurso. Sempre que estou interpretando, eu penso. Não traduzo automaticamente, sempre penso no que a pessoa quer realmente dizer, aonde quer chegar com a mensagem. No caso de um filósofo, é mais fácil porque eles são lógicos. Quando voltei da Europa e tive que voltar a interpretar para o inglês – lá, praticamente, traduzi do inglês para o português o tempo todo – me preparava antes, fazia esse exercício de “cortar” as ideias e colocar na sequencia sujeito, verbo, objeto – começo, meio e fim. No início, me assustei com a prolixidade dos brasileiros. Alguns colegas se afligem, acham que não estou entendendo, mas fico esperando para entender antes de começar a falar. Claro que não se pode ficar muito atrás, além do colega o ouvinte também fica nervoso e você perde muito do que está sendo dito. Mas evito repetir ideias, corrijo coisas que sei que estão erradas. Mas adoro, é uma profissão que nos leva, literalmente, muito longe!

O que te dá mais prazer na profissão?

Muitas coisas, mas acho que a principal é saber que estou contribuindo para um mundo melhor. Por exemplo, na Europa, tinha certeza de estar contribuindo para algo grandioso – acho a guerra o maior desperdício que há, então é maravilhoso contribuir para a paz, mesmo que seja colocando só um tijolo. Também gosto muito dos ambientes internacionais.

Onde você trabalhou?

Trabalhei esporadicamente para a UNICEF, UNESCO e ONU. Atualmente trabalho para organizações interamericanas, por causa das minhas línguas. Acho que só o inglês hoje não é suficiente, é preciso ter espanhol já que estamos rodeados por falantes de espanhol na América Latina e América do Sul. Por isso, trabalho para o BID, OEA, CEPAL.

E você acredita que esse plurilinguismo é algo essencial para o sucesso de um intérprete?

Não, há muitos intérpretes bem-sucedidos que só trabalham com o inglês. Minha trajetória foi diferente, mas credito que o espanhol seja sim obrigatório, inclusive porque há muitos trabalhos de espanhol – português.

Entrevista com TerezaTereza Sayeg, na Missão Veterinária Oficial da União Europeia, 2013.

O português ainda é considerado uma língua exótica?

Não, cada vez menos. Nesses 30 anos de trabalho, acompanhei mudanças de cenário: quando começamos, a maioria dos trabalhos era do inglês para o português. Hoje em dia, a maior parte das pessoas entende o inglês, mas prefere falar em português, então às vezes passamos a maior parte do tempo produzindo para o inglês. O espanhol também se tornou muito mais importante, já que muitas reuniões latino-americanas acontecem em SP ou RJ. E é importante ressaltar que o espanhol não é uma só língua! Comecei com o espanhol daqui como referência, na Europa a referência era naturalmente o espanhol da Espanha e, na volta, comecei a ir para a Colômbia, Chile, Peru… Cada espanhol é diferente e é preciso ler muito, autores chilenos, argentinos, de diversos países. Um dos trabalhos mais difíceis que já fiz, inacreditavelmente, era do espanhol para o português. Foi para o CEMLA (Centro de Estudios Migratorios Latinoamericanos) e foi uma loucura, pois os participantes vinham da Honduras, Nicarágua, Costa Rica. Sotaques e palavras diferentes, foi um grande desafio.

Que conselhos você daria para a nova geração de intérpretes nesse cenário de constantes mudanças na profissão?

O mesmo conselho que me dei e que continuo me dando, que é se preparar muito, sempre. Todas as vezes em que não me preparei, fiz papelão e me arrependi, o que é muito chato. Temos que nos preparar e, hoje em dia, é muito mais fácil! Antigamente, levávamos aqueles enormes dicionários para a cabine; hoje, está tudo no computador. Basta digitar o nome do palestrante e ver sua foto, vídeos, trabalhos. No primeiro congresso de robótica em que trabalhei, que foi o primeiro em SP, pesquisei o médico no Google, ouvi-o falando, sabia o nome do robô… Quando ele chegou ao evento, quase dei um tapinha em suas costas, porque senti que já o conhecia.

Como você chegou nessa área de Medicina?

Tive muitos médicos na família, meu pai inclusive. Não sou médica porque não quis, desmaio quando vejo sangue, às vezes não consigo olhar para os slides. Mas é muito interessante acompanhar a evolução das diferentes especialidades. E me interesso também por nutrição, saúde, bem-estar.

Você também tem experiência em gastronomia, moda… Como consegue fazer tanta coisa, sem focar um determinado nicho?

Essa é a maior parte da graça de ser intérprete! Na Europa, os trabalhos eram muito similares, o nível de linguagem variava muito pouco. Depois que voltei, cada dia é um assunto diferente, mas exige muito preparo e também é bastante cansativo.

Qual a coisa mais divertida que já aconteceu com você nesses 30 anos?

Muitas… Uma das histórias de que me lembro, foi um luxo total, quando interpretei o Chef de Cave da Perrier Jouët. O Chef de Cave é quem faz o champagne, mistura os diferentes anos, cuvées. Ele veio para harmonizar certos millésimes (anos) do champagne Perrier Jouët com pratos do Maní. Imaginem, eu ficava pensando “Estou sendo paga para fazer isso!”. Ele dizia que eu tinha que experimentar, e naquele momento eu era feliz e sabia. Também acho divertidíssimo trabalhar com moda e gastronomia, sei e adoro cozinhar, sempre me divirto muito.

Entrevista com TerezaTereza Sayeg, com os ex-presidentes Lula e Nicolas Sarkozy.

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